Entrevista Nicolas Rubio: Exportação de Milho do Brasil Para a China Não é uma Ameaça aos EUA

Matéria de Isadora Duarte

O diretor do Escritório de Comércio Agrícola do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) no Brasil, Nicolas Rubio, não vê ameaça às exportações norte-americanas de milho para a China, com a abertura do mercado do país asiático ao milho brasileiro. Em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro , Rubio diz que há demanda crescente chinesa pelos grãos de ambos países. “É uma oportunidade que tanto Estados Unidos quanto Brasil podem aproveitar. Isso não é uma preocupação para os Estados Unidos”, disse à reportagem nos bastidores Global Agribusiness Fórum 2022, evento realizado por entidades do agronegócio brasileiro em São Paulo.

Rubio analisa também que ambos países estão prontos para atender às exigências de maior qualidade de soja demandadas pela China – principal cliente dos americanos e dos brasileiros. Ele avalia ainda que Brasil e Estados Unidos possuem oportunidade de ampliar a exportação de grãos em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia.

Mesmo sendo dois grandes players mundiais de grãos e concorrentes neste mercado, Rubio enxerga espaço para ampliação da balança comercial agrícola americana-brasileira. Entre os produtos em potencial, cita de farinha de feijão a carnes premium e vinho. “Enquanto o Brasil exporta US$ 4 bilhões por ano para os Estados Unidos, nós exportamos somente US$ 1 bilhão para o Brasil. Vemos muito potencial no mercado brasileiro para exportações de produtos americanos”, pontua. Ele, que tem a promoção dos produtos americanos como uma de suas missões no Brasil, como cônsul para Assuntos Agrícolas dos EUA no País, conta que vai se reunir nesta semana com representantes do Ministério da Agricultura para discutir também algumas destas oportunidades. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Broadcast Agro – Um dos principais assuntos do fórum é a segurança alimentar. Neste cenário, temos um aperto na oferta global de grãos e a restrição das exportações ucranianas em virtude do conflito com a Rússia. Na sua avaliação, a retomada das exportações ucranianas recentemente acordada aliviaria, de forma imediata, o aperto no balanço global de grãos?

Nicolas Rubio – Há um impacto imediato do acordo no alívio da oferta no mercado global porque a Ucrânia tem grãos para serem exportados (o governo ucraniano estima 20 milhões de toneladas), o que, infelizmente, por causa do conflito não conseguem exportar. Se o acordo der certo, como prometem, esta safra será exportada, assim como, a nova safra, quando produtores plantarem. No curto prazo, o acordo é importante para os grãos serem escoados dos armazéns ucranianos e irem para o mercado. O mundo precisa desta safra. Milho e trigo são os principais produtos exportados por esse país.

Broadcast Agro – Brasil e Estados Unidos têm mais oportunidades no mercado de grãos em virtude da menor exportação de Rússia e Ucrânia, pela possibilidade de ampliarem as exportações para mercados cativos desses países do Mar Negro ou mais riscos pela volatilidade do mercado?

Rubio – É uma oportunidade para produtores dos dois países (Estados Unidos e Brasil) reagirem a essa situação e produzirem mais. O produtor norte-americano e o brasileiro possuem tecnologia para fazer uma boa safra em produtividade, sem desconsiderar que há fatores fora do controle do agricultor. Se tiverem uma boa safra, os dois países estão em posição de atender à demanda do mercado. O produtor brasileiro está tomando sua decisão de plantio para a safra 2022/23. A safra dos Estados Unidos, por enquanto, promete ser boa, apesar de que ainda falta tempo para se desenvolver. Porém, com certeza, o conflito na região do Mar Negro tem impacto no mercado porque tem uma parcela significativa da produção que não está no mercado. A invasão da Ucrânia pela Rússia traz impactos sobretudo aos países que dependem da produção da região.

Broadcast Agro – Tanto Brasil quanto Estados Unidos possuem capacidade de atender à demanda desses países que no momento não podem ser supridos na totalidade por Rússia e Ucrânia?

Rubio – Temos a capacidade, mas precisamos da safra 2022/23. No médio prazo, contando com a safra do próximo ano agrícola (2022/23), produtores vão conseguir atender (à demanda) e a falta desses grãos tende a ser amenizada. Há também outros países que produzem e destinam grãos para a região que depende do abastecimento do Mar Negro, como Austrália, Argentina e Paraguai. Todos os países produtores terão de reagir a essas condições do mercado.

Broadcast Agro – Agora, falando da competitividade entre Estados Unidos e Brasil, o maior cliente de ambos na soja, a China, está exigindo maior nível de proteína e de óleo no grão. Essas exigências de maior qualidade podem afetar as exportações brasileiras e norte-americanas para o mercado chinês? Os dois países estão preparados para atender a essa demanda?

Rubio – Com certeza. Hoje, o Brasil e os Estados Unidos usam a melhor tecnologia de sementes e têm investido na cadeia de soja. Sem dúvida, acho que Estados Unidos e Brasil conseguirão atender a essas novas demandas do mercado chinês. A commodity produzida hoje já atende a essas exigências. No caso dos Estados Unidos, somos os maiores exportadores de soja e temos conseguido aumentar a qualidade e o nível de proteína no esmagamento da soja que é exportada para a China. Sem dúvidas, os Estados Unidos conseguirão, com tecnologia adotada pela indústria, alcançar essa demanda.

Broadcast Agro – No caso do milho, os Estados Unidos são fornecedores tradicionais à China, enquanto o Brasil busca a abertura de mercado. A entrada do milho brasileiro no mercado chinês é uma ameaça ao milho brasileiro?

Rubio – O mercado chinês está demandando mais grãos, porque está em crescimento, com maior demanda para alimentação animal e programa próprio de etanol de milho. Estados Unidos e Brasil já exportam bons volumes para a China. Sabemos que o mercado chinês consegue demandar produto dos dois países. É uma oportunidade que tanto Estados Unidos quanto Brasil podem aproveitar. Isso não é uma preocupação para os Estados Unidos.

Broadcast Agro – Em milho, uma diferença na cadeia produtiva dos dois países é o uso do cereal para etanol. Nos Estados Unidos, cerca de um terço da safra é utilizada para produzir o biocombustível, enquanto no Brasil é de cerca de 10%. O senhor vê potencial no Brasil para expansão da indústria de etanol de milho?

Rubio – Já há um crescimento expressivo do etanol de milho na matriz de combustível do Brasil, com pouco mais de 10% de etanol de milho na mistura do etanol. Há também muitos investimentos ocorrendo pela indústria, como em Mato Grosso, por exemplo. Acreditamos também que programas como o Renovabio incentivarão a aumentar a oferta de etanol de milho no Brasil. Nossa perspectiva é de que a produção de etanol de milho vá seguir crescendo, mas o etanol à base de cana-de-açúcar ainda será muito importante no Brasil. Os Estados Unidos, como exportadores de etanol de milho, também fornecem etanol de milho para o Brasil, quando necessário.

Broadcast Agro – Na relação comercial agrícola entre Estados Unidos e Brasil, ainda há questões pendentes em alguns mercados, como carnes e açúcar. Em quais mercados você vê possibilidade de abertura ou de maior intercâmbio entre os dois países?

Rubio – O mercado bilateral brasileiro-americano tem muitas oportunidades. O Brasil já exporta mais de US$ 4 bilhões de produtos para os Estados Unidos. O mercado americano é muito importante para o Brasil. No ano passado, os Estados Unidos exportaram somente US$ 1 bilhão em produtos para o Brasil. Vemos muito potencial no mercado brasileiro para aquisição de produtos americanos. A carne é um desses produtos. Em 2017, tivemos um acordo bilateral neste sentido e vemos oportunidade para cortes premium americanos no mercado brasileiro. Nosso consulado trabalha, junto com exportadores americanos, na abertura dessas oportunidades e para aumentar as exportações de nossos produtos para cá. Vemos oportunidades para novos produtos, além de ampliar os volumes dos que já exportamos.

Broadcast Agro – Além das carnes premium, para quais outros produtos os Estados Unidos enxergam espaço para exportar para o Brasil?

Rubio – Trabalhamos muito na ampliação de ingredientes que podem ser processados pela indústria de alimentos brasileira. Um desses produtos, que vemos oportunidade, é a farinha de feijão, desenvolvida nos Estados Unidos para elevar proteína em alimentos plant-based (feitos à base de vegetais). Também olhamos oportunidade na exportação de vinhos americanos para o Brasil, que é um mercado de consumo crescente no País. Outro produto que exportamos e vemos espaço para ampliar no Brasil é a proteína de leite, que pode agregar valor aos produtos alimentícios brasileiros. Acreditamos também que podemos aumentar a exportação de peras, cerejas americanas e salmão selvagem americanos.

Broadcast Agro – E do lado contrário, para quais produtos há potencial para o Brasil elevar as exportações para os Estados Unidos ou abrir?

Rubio – O Brasil tem grande interesse na exportação de frutas do Nordeste para os Estados Unidos. É um diálogo antigo na tentativa de abrir as oportunidades para frutas brasileiras no mercado americano.

Broadcast Agro – Há negociações em andamento com o governo brasileiro para abertura desses mercados que interessam aos Estados Unidos?

Rubio – O Brasil é um parceiro comercial de muitos anos. Sempre temos conversas com áreas do governo brasileiro, especificamente com o Ministério da Agricultura, que é um parceiro na área comercial, de levantamento de dados, de biotecnologia e de enfrentamento a mudanças climáticas. Nesta semana, teremos reunião com o ministério para tratar de assuntos que são importantes para ambos os países.

Matéria de Isadora Duarte (isadora.duarte@estadao.com) para o Broadcast Agro. Clique aqui para conferir a matéria direto do portal Broadcast Agro